As
vozes em ti
Procuram
as vozes em surdina, na lentidão da luz,
em
madeira rara, esquecidas e quentes, descarnada,
amaciando,
arrepiando o veludo azul,
incandescente,
de intensidade crepuscular,
inteiramente
inventado na monção de verão,
percorrendo
e envolvendo as mãos, nas tuas, longe,
querendo,
temendo, ansiando, antecipando,
rasgando
a madrugada e fios de prata caídos sem glória, sem brilho,
volteando,
toureando demónios ao amanhecer,
perseguidos,
eles e nós, sem nada em comum,
os
mesmos medos, debaixo da almofada, quente e suada,
gritando
mais alto que a fita, com gravilha na imagem,
invejando
as letras e a escrita, a preto, em papel brilhante,
melhor
que o teu, rascunho de peça, de dança rangendo no soalho,
de
tinta escorrendo, alagando, mortificando-se,
temendo
o afogamento em ti, imprevisível, inevitável, insaciável,
um
insolente urro em plenos pulmões,
sou
eu, mostrando-te o que sei, sobejando, explodindo,
a
fascinação, a excitação digna de exibição, carnal,
erótica, diferente,
cumplicidades
de ser tão urbano, embriagado pela criação,
movimentos
e contemplação, viver como aparições,
a
busca silenciosa nas sombras do mar, onde o sol não tem
lugar,
os
fugazes desenhos, os amores tristes e enebriados,
a
mentira do sonho que acaba, mesmo ali, na rua de baixo,
tão
perto como o mal que nos vigia, que nos atormenta, rodeia,
estremecendo
num marulhar distante do fim do mundo,
temendo
o fim da polifonia, devoradora, insaciável,
o
esquecimento, a cegueira, a mudez da voz que há em ti.
Daniel Costa-Lourenço
Hugo
Daniel de Oliveira
Lisboa